26/08/2010

Almoço na Apae/DF comemora a marca da solidariedade

Fonte: Correio Braziliense - 26/08/10
Repórter: Mariana Moreira

Pelo décimo quarto ano consecutivo, evento reúne pessoas com deficiência que, por meio de um programa especial reforçado pela ação de voluntários, aprendem a desenvolver suas habilidades e, assim, ingressam no mercado de trabalho

Quem circulou ontem pelo final da W5 Norte na hora do almoço deve ter percebido uma festa animada, regada a comida farta e música dançante, dentro do terreno da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais do DF (Apae/DF) na 711/911 Norte. Mas somente os convidados puderam se deliciar com o buffet preparado por um dos mais renomados chefes de cozinha da cidade e compartilhar a alegria espontânea dos presentes. A comilança foi o rito de encerramento da Semana Nacional de Pessoas com Deficiência Intelectual e Múltipla, realizada em todas as Apaes do Brasil, de 21 a 28 de agosto.

Ali, celebravam-se as vitórias de quem luta pelos direitos e por uma melhor qualidade de vida dos que possuem algum tipo de deficiência, intelectual ou múltipla. “A situação melhorou nos últimos anos. Devagarinho, a sociedade começa a se conscientizar de que essas pessoas precisam ser incluídas. Somos todos diferentes, mas temos direitos iguais”, destacou a presidenta da Apae/DF, Maria Helena Alcântara de Oliveira.

Mas a inclusão não caiu do céu. Ainda é preciso garantir que cada vez mais pessoas com deficiência sejam incluídas no mercado de trabalho. Essa é a principal missão da organização não governamental, que atualmente conta com 400 alunos em período integral e já inseriu 250 de seus aprendizes no mercado aberto. “O que nós precisamos é que mais empresários nos apoiem. Temos lutado com muita dificuldade”, avaliou Maria Helena. A instituição recebe jovens com mais de 14 anos que tenham deficiência intelectual ou múltipla, o que representa a deficiência intelectual associada a problemas de visão, audição e locomoção, entre outros.

Passo a passo
Antes de mergulhar no mercado, os alunos participam de várias etapas preparatórias, entre elas um exame de orientação vocacional e o desenvolvimento das habilidades profissionais. A avaliação para o trabalho é feita por lá mesmo. Depois das noções básicas, eles assumem postos na cozinha, na lavanderia, na portaria, no departamento de xerox, na limpeza, em serviços bancários e no atendimento ao público das unidades em que são aprendizes. Só depois de se sentirem preparados é que podem se candidatar a posições em empresas reais.

Além de uma oportunidade no mercado aberto, a instituição está investindo em uma modalidade de trabalho comum nos Estados Unidos: o emprego competitivo apoiado (1). Um grupo de alunos é contratado para uma função e, enquanto desempenha as atividades, conta com o apoio constante de um monitor. A Apae já tem 12 jovens atuando dessa forma na Câmara dos Deputados e negocia a contratação de mais 12, para trabalharem no Senado Federal. “Os órgãos repassam o dinheiro, mas somos nós que os contratamos, com carteira assinada e todos os direitos trabalhistas”, assegurou a presidenta da instituição. O pagamento varia de acordo com o contrato: oscila de um salário mínimo a cerca de R$ 800. No período em que são aprendizes, na própria sede do órgão, eles não recebem nada.

O cardápio da festança que homenageou os alunos incluía salada variada, lasanha, arroz, feijão, dois tipos de carne e sorvete de sobremesa, e foi elaborado, pela 14ª vez seguida, pelo chefe Dudu Camargo. Uma amiga era voluntária da instituição e o aproximou dos alunos. O primeiro banquete foi servido para 50 inscritos nas oficinas, mas Camargo foi ganhando intimidade e o mimo gastronômico para os alunos já virou tradição. “O almoço é um ritual de transferência de carinho, eles curtem muito e os professores contam que esperam por esse dia”, comentou. A animação é tanta que ele faz questão de preparar todos os pratos. “Fiz de tudo, desde picar pepino. Passei a tarde inteira de terça-feira na cozinha.”

Diante da longa fila que se formou para provar os quitutes, o chefe servia porções generosas e conversava animadamente com os comensais — e todos o chamam pelo nome. Mas a adesão de Dudu Camargo não parou por aí. Com a convivência, ele foi percebendo o potencial desses jovens para o trabalho, e hoje nove ex-alunos da Apae são funcionários de seus restaurantes e bares. “É impressionante o quanto eles se doam, aprendem e respeitam os outros membros da equipe. Nos ensinam em simplicidade e honestidade, além de serem puros como as crianças”, elogiou.

Lição de vida
Um dos pupilos da associação a conquistar espaço em uma das casas de Dudu é Daniel Barbosa de Sousa, 22 anos. Com deficiência intelectual moderada, ele aprendeu os primeiros segredos de uma cozinha na instituição. No começo, garantiu ter dificuldades com algumas tarefas, como lavar louça, limpar o chão e ajudar no preparo da comida. Mas depois tomou gosto pela coisa e até sonha com incursões mais complexas pelo mundo da culinária. “Depois de aprender a lavar louça, passei a gostar muito de limpeza. Hoje faxino a casa toda, com a ajuda da minha irmã. Mas queria mesmo era ser chefe de cozinha um dia”, contou.

Ana Mônica Falcão, 33 anos, também saiu direto dos bancos escolares da Apae, pela deficiência intelectual leve e por uma malformação congênita em uma das pernas, para o sonhado trabalho remunerado. Ela, porém, atuou atrás do balcão de uma grande rede de fast food antes de cair nas graças do chefe. Nos tempos de aprendiz, começou como office girl, mas atualmente se divide entre as funções de copeira, auxiliar de serviços gerais e garçonete. Consciente, ela sabe que a realidade de quem aprende nas oficinas é diversa da de quem precisa enfrentar clientes e patrões de verdade. “Na Apae, todo mundo passa a mão na cabeça, mas fora a gente tem que fazer tudo direito. Não me preocupo, já peguei a prática”, comemora.

Prática que a aluna Daiane Rodrigues, 27 anos e há um frequentando as oficinas, pretende conquistar. Mas os efeitos do investimento já a deixam toda orgulhosa. “Antes era meio tímida, mas agora aprendi a falar com as pessoas”, destaca a jovem, que já atuou na lavanderia e agora é responsável pelo serviço administrativo, como atender telefones, anotar recados e ajudar nos serviços variados. “Quero ser vendedora de loja, principalmente se for um armarinho. Gosto muito de arrumação”, confidencia. Se seguir o exemplo dos colegas, Daiane pode arregaçar as mangas, pois as oportunidades virão.

1 - Programa de apoio
A Lei nº 8.213, de 1991, determina que as empresas com 100 ou mais funcionários são obrigadas a preencher de 2% e 5% de seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, na seguinte proporção: nas empresas com até 200 empregados, as categorias citadas na lei devem corresponder a 2% do total. Se houver entre 201 e 500 contratados, o percentual sobe para 3%. Caso o contingente de funcionários fique entre 501 e mil, 4% deles devem corresponder a reabilitados ou portadores de deficiência. No caso de companhia com equipe superior a mil membros, 5% deles devem atender a esses critérios.

Colabore com a Apae

As doações de empresas podem ser deduzidas do imposto de renda até o limite de 2% do lucro operacional da pessoa jurídica (antes de computada a dedução. Quem quiser fazer doações constantes, via débito em conta, pode entrar na página da instituição, preencher uma ficha e entregar em uma das quatro unidades. A instituição também pode buscar fichas. Os pedidos devem ser feitos pelo telefone 2101-0452. Os endereços para entrega são SGAN 711/911 Norte – Conjunto E, no Plano Piloto; EQNN 6/8 – Área Especial, em Ceilândia; QE 38, Área Especial, no Guará II; Quadra 9 – SAI 08, Lotes A e B, em Sobradinho. A Apae/DF realiza oficinas de pré-profissionalização, e qualquer material didático é sempre bem-vindo. Para fazer doações, entre em contato com a coordenação administrativa, pelo telefone 2101-0457. Para fazer trabalho voluntário, não é preciso nenhum conhecimento específico. Os interessados podem preencher ficha disponível na página eletrônica da instituição (www.apaedf.org.br).

As doações em dinheiro podem ser depositadas nas contas abaixo:
Bradesco – Agência 606 –
Conta-corrente: 173625-6
Banco do Brasil – Agência 1236-X –
Conta Corrente: 40249-4

Um comentário:

  1. quero parabenizar a APAE - DF pela realização do Fórum do Trabalho da Pessoa com Deficiência. Mas acima de tudo quero parabenizar pelo verdadeiro trabalho que feito na própria APAE com relação a formação dos alunos jovens e adultos para sua inclusão no mercado de trabalho. Mais do que termos espaços para discussões, é preciso ter de fato quem faz as idéias saírem do papel. E é isto o que vocês fazem.
    Um grande abraço.

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